“Enquanto todos se admiravam com tudo o que Jesus fazia, ele disse aos discípulos: “Prestai bem atenção às palavras que vou dizer: o Filho do Homem vai ser entregue às mãos dos homens”. Mas eles não compreendiam esta palavra. O sentido lhes ficava oculto, de modo que não podiam entender. E tinham medo de fazer perguntas sobre o assunto. (Lc 9, 43b-45)
Irmãos e irmãs! Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida. Para realizar sua missão, Ele carregou pesada cruz, fruto de nossos pecados. Deu a vida para “tirar o pecado do mundo”, para que todos possam ter vida em plenitude. Jesus passou toda vida fazendo o bem, realizando maravilhas. Foi perseguido e condenado pelos que não aceitavam a justiça que ele propunha, o amor de Deus que deveria realizar-se no amor ao próximo.
É difícil entender o amor de Jesus, doação total pela aceitação da cruz. Os discípulos nequiseram perguntar o que Jesus estava lhe revelando. Nós também gostaríamos que a cruz não existisse. Os santos, como São Cosme e Damião, que celebramos hoje, deram suas vidas por amor do próximo. Muitos foram perseguidos, martirizados porque lutavam pela defesa da vida, pela dignidade da pessoa humana.
Por isso, Jesus nos diz que para segui-lo é preciso renunciar a si mesmo e tomar a cruz. Isso acontece, quando não nos conformamos a marginalização que condena milhões de pessoas a viveram na miséria, em situações desumanas. Uns privilegiados vivem em “palácios”, ganham milhões, nem sempre de modo lícito. Os pobres tem que se contentar com o “mínimo” dos mínimos para sustentar, com dignidade.
Será que concordamos com a sociedade que vivemos em nossa terra? Quem é Jesus Cristo para nós? É só teoria, sentimento ou realidade de vida nova que gera amor verdadeiro?
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ROSTOS DESFIGURADOS
“Visito a periferia de cidades do agreste da Paraíba
Percorro as chamadas “pontas-de-rua”
De onde saem os migrantes
para o corte de cana no “brejo”
para o corte de cana no “brejo”
No interior dos casebres,
nus e tristes como esqueletos
nus e tristes como esqueletos
Quase somente mulheres, crianças e velhos.
Dói a alma ver essas mulheres “viúvas de maridos vivos”
Jovens algumas, outras ainda meninas
Com dois, três, quatro filhos pendurados pelas pernas, peitos e saias
Sobrecarregadas ao peso de múltiplas jornadas de trabalho
O roçado, a casa, as crianças, a água, a lenha
Mulheres marcadas pela saudade, o silêncio e o desamparo
Dos que sofrem sem luz e sem remédio
Falando através de inexpressivos monossílabos
Verdadeiramente solitárias pela ausência dos esposos.
Dói ver essas crianças, nuas ou seminuas
Olhos tão grandes e sujos quanto a fome que mora neles
Umas perguntando quando vem painho
Com algum “agradosinho” para reconquistá-las
Outras esquecidas pelas ruas, batendo de porta em porta
À procura de comida, calor e carinho
Outras ainda que não mais conhecem o pai e caem no choro
Quando esse “estranho” regressa e tenta pegá-las ao colo.
Dói ver esses velhinhos, encostados pelos cantos
Desculpando-se por ainda estarem neste mundo
Sentados em tamboretes tão antigos e enrugados quanto eles
Não raro aleijados, cegos, entrevados
Cujas aposentadorias sustentam muitas vezes a família
E cuja “sabedoria” quase se limita
Em encontrar justificativas para o sofrimento e abandono de séculos
Pais e mães de filhos que a miséria tornou ingratos.
Penetro os casebres e, como quem chega de fora
Faço uma infinidade de perguntas
Em alguns casos há uma resposta
Uma carta recém-chegada, uma lembrança
Toque invisível e doce do homem ou rapaz ausente
Na maioria das vezes, porém, a ausência é a única realidade
Uma ausência que não é a espera ansiosa de algo ou alguém
Mas a dor inconsolável e despovoada de uma perda definitiva.
À medida que caminho pelos casebres, um a um
Cresce a sensação de angústia e impotência
A fome é tanta, que os estômagos se acostumaram a roncar em vão
A pobreza é tanta,
que os olhos descansam inertes sobre o vazio das casas
A dor é tanta, que o coração calejado não mais se indigna
E a alma busca em Deus explicação para tudo.
O pior é que não é só o marido, o pai, o filho que estão ausentes
É também o padre, o sindicato, o político ... todos
Tudo e todos estão ausentes.
Excluídos não porque tenham sido deixados do lado de fora
Mas porque sequer chegaram a ser lembrados”.
“ERAS TU, SENHOR?”
Fagundes/PB, 19 de dezembro de 1994